25.1.11

Rotulando

Celso de Almeida Jr.


Publicado no jornal A Cidade - Coluna Política & Políticos
Ubatuba-SP, 16 de outubro de 1999

Recebi um míssil teleguiado, via correios.
É isso mesmo. Uma carta de remetente indecifrável, recheada com duríssimas críticas aos meus artigos e alguns impropérios especialmente selecionados.
O autor começou suave. Disse achar um absurdo um advogado senil como eu lançar mão de crases em horas indevidas e de ter usado a palavra furto(assalto sem arma) no lugar de roubo(assalto com arma). Torpedeou também meu hábito de iniciar algumas frases com porém. Mandou-me à página 228 da terceira edição do Manual de Redação do Estadão para mostrar-me que porém deve aparecer no interior da oração.
E lançou a pá de cal relatando que imaginava meu corpanzil semelhante a uma girafa combinada com elefante catando milho num teclado de computador tentando, inutilmente, acompanhar os novos tempos. Suas considerações finais são impublicáveis.
Tem alguma coisa errada.
Primeiro que não sou advogado.
Deixei, há mais de dez anos, a gloriosa EFEI, a Escola Federal de Engenharia de Itajubá, após cursar quatro semestres de engenharia mecânica.
No máximo, sou quase metade de doutor, um Dr/2. Na real, só posso me gabar do canudo do ensino médio, o novíssimo nome do 2º grau.
Também não sou senil.
Aos 33 anos, não estou tão decrépito assim. O outro engano está relacionado ao meu corpo. A mistura de uma girafa com um elefante jamais resultaria em alguém com 1,69m de altura e com 57 quilos. Seria um caso excepcional. Entretanto, tirando ainda os palavrões finais, ele acertou algumas alfinetadas.
Realmente, cometi os pequenos pecados linguísticos que relatou. Porém...ops!! Nada, porém, que comprometa a qualidade dos textos.
Possivelmente eu não receba um ISO 9000 mas tenho procurado melhorar. Aliás, corri atrás da citada edição do Manual de Redação e Estilo do Estadão, organizada pelo competente Eduardo Martins. Lá está um depoimento de Rachel de Queiroz: "Complemento da obra educativa que o Estado vem desenvolvendo...nele tanto aprendem os jovens principiantes quanto os velhos profissionais como eu." É isso. Sempre é tempo de aprender, aperfeiçoar e corrigir.
Fiquei curiosos, entretanto, sobre quem o leitor anônimo imaginava que eu fosse. Quem será o seu verdadeiro inimigo? Para a alegria dos três xarás que conheço, o Celso pai, o Celso da OAB e o Celso ex-prefeito, nenhum se encaixa na descrição do anônimo. O engraçado é que mirando alguns de meus defeitos ele acabou rotulando-me como um monstro em fase terminal. É aquele perigoso hábito de malhar sem conhecer ou malhar por malhar. Essa prática precisa ser deixada de lado. Quantos que atuam na política recebem o carimbo de pilantras, corruptos e oportunistas de pesssoas que nem os conhecem? E os casos mais graves: quantos, por circunstâncias variadas, divergem de pensamentos e, em função disso, denigrem, lançam boatos e esculhambam sem o mínimo escrúpulo? São os ossos do ofício da política e dos políticos, infelizmente. Mas, para os que amam o pensamento e procuram divulgar idéias, vale o consolo da antiga frase: "Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura."
Mais do que nunca é preciso saber usar as palavras, pesquisar, discutir projetos, ler e estudar, mesmo que longe dos bancos escolares. A internet está aí, revolucionando os conceitos de aprendizado, integração e espaço. E, contrariando o que prega meu misterioso e rancoros crítico, o acesso à tecnologia não exige idade limite. O futuro é para todos desde que tenham a oportunidade de experimentar a cultura e a informação, exercitando o pensamento. Quando esse tempo chegar, possivelmente os homens não aplicarão rótulos com tanto entusiasmo. Perceberão que todos têm inteligência e que o grande diferencial está na vontade de fazer as coisas, na dedicação, no esforço e na honestidade.
Nesse sentido, Theodomiro Carneiro Santiago, que fundou a EFEI em 1913, deixou a dica para viabilizar as mudanças: "Revelemo-nos mais por atos do que por palavras, dignos de possuir este grande país."

Nervos de Aço
Lupicínio Rodrigues
Paulinho da Viola