27.3.11

Espelho meu

Celso de Almeida Jr.


Publicado no jornal A Cidade - Coluna Política & Políticos
Ubatuba-SP, 01 de abril de 2000


Acho que perdi um simpatizante.
A história foi a seguinte:
Num papo furado, na fila da lotérica, um conhecido da última campanha ficou surpreso quando soube que eu assinava esta coluna: 
"Nunca imaginei que o seu nome fosse o que está no jornal. Sempre o conheci como Celsinho..."
Num primeiro momento, fiquei orgulhoso, mas, percebi que o entusiasmo do colega foi diminuindo junto com a fila. 
Suas respostas também murcharam. 
Perguntei o que ele achava dos textos, do assunto xis, do artigo tal e começou a vir: 
É. Ah. Bom. Então...fim da fila, aposta...Tchau!
Fui para casa meio desgostoso. 
Vou tentar explicar. 
Escrever é muito bom. 
Publicar é ótimo. 
Em minha cabeça passa: 
Quem lê? 
O que faz? 
Qual a sua idade? 
Quantos leem? 
Quantos concordam? 
Quantos criticam? 
É uma sensação gratificante abrir o pensamento. 
O ser humano sempre cria a expectativa de estar agradando. 
No papel e ao vivo.
Entretanto, essa da lotérica causou a impressão de que eu estava diante de um consumidor aparentemente satisfeito com o produto, mas decepcionado em conhecer o fabricante. 
O pior é que nesse caso não deu para lançar mão de frases demagógicas do tipo: 
O bom acabamento eu devo aos dedicados funcionários...
Não colaria. 
Nessa linha de produção, entre a cabeça e o papel, só tem a caneta.
Fiquei cismado. 
Não engoli a ideia do meu pensamento não bater com a minha imagem. 
Procurei me olhar. 
Vi uns defeitinhos, mas nada comprometedor. 
Olhei no espelho. 
Será que a minha cara não inspira confiança? 
Tenho estilo de bandido? 
Nesse instante lembrei de uma foto que o Sérgio Campolino tirou após produzir-me como presidiário. 
Aquela roupa listrada, com número e tudo. 
Corri nas minhas pastas e achei o retrato. 
Estou sendo sincero. 
Não me reconheci. 
Mesmo!
Criei, então, situações. 
Imaginei ser vereador ou prefeito. 
Aquela turminha que adoro bater. 
Projetei-me no lugar deles, bem na hora em que um fornecedor da prefeitura ou um empreendedor qualquer abrisse uma mala cheia de dinheiro para que eu facilitasse aqui, aprovasse isso, rejeitasse aquilo. 
Cheguei a sentir o cheiro do papel moeda. 
Pensei no aluguel, no gerente do banco, na gravidez da Patrícia, nas dívidas com os amigos e...nos meus artigos. 
Se aceitasse a mala, teria que pedir ao Benedito Góis voltar no tempo e excluir meus textos do A Cidade
Ou ainda, recolher todos os jornais dos últimos sete meses, recortar a Política & Políticos e queimá-la em fogo de óleo diesel. 
Para quem, quando criança, teve a oportunidade de ler um gibi do Satanésio, seria terrível viver com a consciência ardendo na fogueira do inferno. 
Mesmo naquele inferninho inocente das divertidas histórias em quadrinhos.
Voltei ao espelho e analisei a estampa. 
Será que pensam que sou mais velho? 
Mais pesado? 
Que uso óculos? 
Barbudo? 
Narigudo? 
Nessa última, acertaram. 
Procurando melhorar, fui ao Fanta cortar o cabelo. 
Ele faz o que pode. 
Talvez a roupa. 
Resolvi por a camisa para dentro da calça. 
Comprei um cinto. 
Engraxei o sapato. 
Não é possível! 
Chega! 
Não há motivo para preocupação. 
Primeiro que na coluna não sai a foto. 
Segundo que quem vê cara não vê coração. 
Terceiro que não é sempre que aposto na Mega Sena e seria muita coincidência, na mesma lotérica, na mesma fila, frustrar mais um leitor.
Deixa prá lá. 
Na palavra escrita, diferente da televisão, é possível exercitar o pensamento, imaginando pessoas e lugares. 
É melhor assim. 
Fico na minha, evito a TV e você me imagina como quiser. 
Essa historinha de vereador e prefeito é só para esquentar. 
É sério. 
Já pensou se eu ganho e aparece alguém com a mala?
Xô, Satanás!

PS: Nas duas últimas semanas a Política & Políticos ficou na gaveta. Nesse jogo, às vezes, sair de cena é interessante. Permite avaliar melhor o comportamento dos candidatos, suas aflições, suas dúvidas. Colhi muita informação quente. Publicar é o meu dever. É o que estarei fazendo.

Espelho Mágico
Silvio Brito