29.12.11

O Guerreiro Nadim

Celso de Almeida Jr.


Publicado no jornal A Cidade
Ubatuba-SP, 4 de abril de 1998


Conheci Nadim Kayat em 1987.
Na época, eu e um grupo de amigos queríamos participar mais ativamente da vida política de Ubatuba.
Para isso, fundamos um jornal, o Eco Ubatubense, nome resgatado de um periódico local do século passado.
Nadim foi o entrevistado do terceiro número do Eco.
Eu e Marcelo Pimentel estivemos em sua fascinante residência na Ponta das Toninhas.
Marcelo era nosso Diretor de Redação e com bastante talento conduziu a entrevista.
Eu gravei as declarações e me responsabilizei pelas fotografias.
Começou assim nossa amizade.
Sua vontade de disputar a prefeitura de Ubatuba; seu discurso, suas ideias, tudo me encantava e parecia concretizar o meu desejo de atuar na política da cidade, espaço que eu não encontrava até então.
O Eco Ubatubense durou seis meses.
Foi vítima da falta de recursos num ano sob o impacto da derrocada do Plano Cruzado e do disparo dos custos gráficos. 
Até o último número, porém, contei com o apoio direto do Nadim e de alguns de seus amigos que ajudaram a bancar aquele sonho de adolescentes.
A esta altura o nosso relacionamento tinha atingido um nível de profundo respeito e admiração.
Nadim estava determinado a disputar a prefeitura e não vacilei em oferecer o meu auxílio, apresentando a seguinte condição: queria participar diretamente da coordenação da campanha e conversar, com ele, "de igual para igual". 
Entretanto, mais de quarenta anos era a nossa diferença de idade.
Ele, um advogado das Arcadas.
Ele, oriundo de uma geração de políticos de talentos inquestionáveis: Rogê, Zancaner, Piza, Cantídio, entre tantos. 
Ele, ex-chefe de gabinete da prefeitura de São Paulo.
Ele, procurador aposentado da cidade de São Paulo.
E eu, calouro de engenharia mecânica.
Impossível uma conversa "de igual para igual".
Mas, lá do alto da sua experiência, vendo minha vibração e decisão irrevogável de querer acompanhá-lo, aceitou minha condição, sabendo certamente que, no tempo devido, eu perceberia a graça do meu pedido.
Nasceu daí uma bela parceria.
Eu o incentivava e procurava animá-lo em sua difícil jornada de vivenciar a política de Ubatuba, carregada de boateiros de plantão e de certos agentes políticos especializados em barganhar tudo, seja para a sobrevivência, seja para acumular riquezas, sempre às custas do dinheiro público.
Nadim era um homem extremamente especial e com ele aprendi, aprendi, aprendi.
Sua oratória era fantástica.
Os fatos mais corriqueiros, narrados por ele, ganhavam um toque de magia.
Foi um contador de histórias.
Seus amigos o admiravam por este talento.
Seus textos, da mesma forma, são carregados de inteligência.
Colaborou por muitos anos como articulista do Jornal A Cidade.
Por diversas vezes, sua coluna causou fortes polêmicas no meio político de Ubatuba.
Sabia provocar.
Sabia sair de cena.
Também esbanjava competência na rádio.
Na eleição de 1988 eu gravava suas falas para o horário eleitoral gratuito.
Sua voz possante e sua pronúncia perfeita compensavam os poucos recursos do equipamento 3 em 1 que utilizávamos.
Os adversários esperneavam, alegando que a qualidade da produção vinha dos recursos milionários de nossa campanha, que teria contratado a conceituada agência Thompson para produzir os programas de rádio.
Nós dois ríamos, pois as despesas da gravação estavam resumidas às folhas de sulfite e canetas que o Nadim usava para escrever os discursos e a uma fita k-7 por dia para encaminharmos à emissora.
E só.
Nadim sonhava em estruturar um partido político forte.
Queria um grupo de qualificados candidatos a vereador.
Queria criar espaço para os jovens atuarem na vida política, promovendo gradualmente a renovação da mentalidade político-administrativa do município.
Quis criar um comitê de orientação partidária para dar aos filiados noções elementares de administração pública, preparando assim os políticos do amanhã.
Nadim foi um guerreiro.
A vida lhe pregou muitas peças.
Poucos talvez saibam que sua carreira política acabou sendo interrompida por graves problemas de saúde.
Foi submetido à diversas cirurgias, no Brasil e no exterior, em função de artrose coxo-femural.
Suas pernas, que lhes tinham dado tantas alegrias, quando jogava futebol pelo time do XI de Agosto, acabaram por gerar sofrimentos terríveis.
Não fosse a doença, Nadim seria um político de destaque estadual e federal, por sua conduta e talento.
São palavras que ouvi de influentes homens públicos, amigos seus, que acabei conhecendo nesses anos de relacionamento.
E, tranquilamente, concordo com eles.
Nadim recomeçou a vida mais de uma vez.
Teve, porém, garra para enfrentar os desafios e, principalmente, o apoio, o amparo, o incentivo e o amor de uma mulher de espírito elevado e de uma força interior impressionante: Darci Pimentel.
Nadim foi autêntico.
Seu temperamento forte lhe valeu alguns inimigos.
Em 1988 o vi discutir com o padre, em plena praça, porque este apoiou abertamente nosso adversário.
Confronto quentíssimo.
Preciso confessar: aprendi muito...e me diverti muito também.
Naquele ano, Nadim perdeu a eleição mas conquistou um honroso terceiro lugar, conseguindo eleger três vereadores do partido.
Nosso grupo continuou unido e apoiou Euclides Vigneron em 1992 e 1996, ajudando a guindá-lo à prefeitura nesta última eleição.
Finalmente, após tantos anos, vi a chance real de Nadim auxiliar diretamente na prefeitura, com sua experiência, seu conhecimento e seu bom relacionamento, ajudando o prefeito na busca dos novos caminhos.
Vigneron enviaria à Câmara, para apreciação, a criação do cargo não remunerado de Gerente de Cidade e convidaria para tal função Nadim Kayat.
Com essa promessa aceitei, no dia da posse - com o aval de Nadim - assumir o cargo de Secretário de Administração de Ubatuba que, originalmente, tinha solicitado ao prefeito que fosse reservado ao amigo Nadim Kayat Buainain, em função da contribuição que o nosso grupo político havia dado para a conquista do poder executivo municipal.
Infelizmente, porém, deu no que deu.
Nadim foi usado e descartado e para mim estava reservado o mesmo destino, com alguns toques de perversidade, como se viu no ano passado.
Aprende-se muito na política. Sempre.
Em nosso caso, transmito ao prefeito uma frase que Nadim lhe deixou: "Do traidor só se aproveita a traição".
No sábado, 28 de março de 1998, quando olhava no Cemitério São Paulo o sepultamento de Nadim Kayat, em meu pensamento, numa velocidade incrível, passaram as cenas de nossas andanças pelos bairros de Ubatuba, de suas "palestras cívicas", seus discursos inflamados, suas lembranças do passado.
Ali estará o corpo do velho Nadim, mas seus ideais continuarão vivos.
Suas histórias jamais serão contadas com tanto talento, mas estarão guardadas em nossos corações.
Sua presença será sempre sentida, como as ondas do mar, na cidade que ele amou.
Adeus amigo.

Amigo
Roberto & Erasmo