2.10.11

Saiba; leia

Celso de Almeida Jr.


Publicado no jornal A Cidade - Coluna Política & Políticos
Ubatuba-SP, 02 de dezembro de 2000


Na penúltima quinta-feira já tinham avistado a jubarte, lá no fundão, próxima da ilha Anchieta. Falecida, coitadinha, não ofereceria resistência a nenhum pescador de barquinho, destes que o motor declama tu-tu-tu.
Um cabinho de aço, ligando a cauda à popa, permitiria puxar a bichona para bem longe. Se preciso, uma poita misericordiosa estacionaria em alto mar aquela que se transformou no problema da semana. Já pensou? Lá no horizonte, parada, com aquela paciência que só os mortos têm, aguardando as autoridades e os sabichões do continente decidirem o que fazer.
Mas ela foi chegando, chegando...chegou!
Todo mundo sabia, todo mundo via, todo mundo viu. Parou, majestosa, na nossa praia Grande. E passa sexta, e passa sábado, e passa domingo, e passa segunda e chega a terça.
Um amigo biólogo logo recomendou o procedimento mais apropriado. A saída seria providenciar, com o auxílio de retro-escavadeiras, um fosso isolando a baleia; alguns metros de lona plástica; um caminhão equipado com bomba de sucção, tipo limpa-fossa, algumas moto-serras; máquinas pá-carregadeiras e caminhões basculantes. Eis a fórmula. Na madrugada de sexta para sábado, uma equipe de gente forte, com esses equipamentos, cortaria a baleia e a transportaria em pedaços para o aterro sanitário ou para qualquer buracão afastado. A lona plástica e a bomba de sucção evitariam a melequeira possível com os cortes de uma bichão deste porte.
Entretanto...
Em cinco dias, comerciantes, empresários, promotora, defesa civil, jornalistas e políticos produziram um rol de ações: puxar a baleia com o auxílio de rebocadores; colocá-la inteirinha numa carreta; queimá-la!!!; levantá-la com um guindaste; enterrá-la ali, pertinho do mar.
Tirando o churrasco de baleia, que permitiria aos ubatubenses se infestarem com o cheiro de uma considerável camada de gordura derretida, todo o resto foi tentado.
Com os seguidos insucessos, só na segunda-feira, a noite, é que convocaram o biólogo a quem me refiro, para por em prática a sua intenção. Detalhe: cederam apenas uma moto-serra, sem o operador, pois este não poderia trabalhar de madrugada... Mesmo assim, numa operação precisa, planejada e limpa, no amanhecer da terça-feia a baleia já estava em ponto de ser totalmente partida, aguardando cortes mais profundos com a moto-serra, o que permitiria, até o início daquela tarde, resolver tudo. Mas, naquela mesma manhã, apareceu mais uma ordem externa. "Para tudo! Um guindaste está chegando; agora vai!!!" Discreto e consciente de onde estava pisando, meu amigo entregou o boné e foi para casa com a certeza de que tinha feito a sua parte. O final já sabemos. O guindaste pipocou e a jubarte repousará eternamente em cova próxima de onde encalhou.
Quando eu escrevo que vivemos um vazio de poder, muitas vezes não consigo ilustrar o que penso com exemplos acessíveis a quem não vive o dia-a-dia da política. Mas, agora, ficou mais fácil. O caso da baleia, que poderia ter sido evitado, mostrou a lerdeza de nosso comando. Todo mundo palpita e o prefeito se omite. O que seria correto? Agilidade nas decisões após consultar especialistas. E mais do que isso: dar suporte a quem entende, pesquisou e estudou o assunto. Gente que saiba; leia. Tudo combinado com um mínimo de bom senso de quem vai decidir. É sabido que, mesmo entre especialistas, existem aloprados com ideias apropriadas para um enredo dos Três Patetas. Cabe ao prefeito escolher o caminho certo. Se não dormisse no ponto, mais uma vez, não iríamos para a mídia nacional com notícias negativas. Este é o drama. A baleia em si apenas evidenciou como somos governados. Gerenciar uma cidade não se faz, apenas, com discussões sobre tudo, com gente que entende de tudo e quer fazer tudo. Não basta boa intenção. É preciso convocar a pessoa certa, para o lugar certo e na hora certa. E quem tem procuração para isso é o chefe do poder executivo. Não fosse assim, bastaria ainda em alto mar, um bom locutor equipado com um megafone berrar: "Sai, baleia!!!"

Dr. Sabe-Tudo
Dilermando Reis
Marcelo Souza