Publicado no jornal A Cidade - Coluna Política & Políticos
Ubatuba-SP, 22 de julho de 2000
Conversas de padaria são muito construtivas.
Leite, pão, chá, café e torta de banana garantem uma dieta equilibrada e dão um sabor especial ao final do expediente.
Com meu apetite moderado, não daria conta de tanto alimento.
Contei com o Walter dos Santos Júnior para esta tarefa.
Waltinho comentava sobre o prazer que tinha das longas conversas com o seu pai, com destaque para as passagens marcantes deste século.
A lucidez, o hábito de devorar o Estadão de domingo e o aguçado senso crítico, certamente, devem proporcionar histórias interessantes.
Contou que para ele, entretanto, o impressionante desenvolvimento do pós-guerra, a chegada do homem a lua e as conquistas da medicina não conseguiram alterar a natureza humana.
A conduta do homem, independente do avanço tecnológico, não sofreu mudança significativa, sendo quase previsível o seu comportamento.
Aquele diálogo agradável voltou ao pensamento enquanto eu folheava um surrado livrinho de história geral.
Lia sobre o precursor imediato da revolução francesa, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que em 1750 recebeu o primeiro prêmio de um concurso que propunha o tema:
"Se o progresso das ciências e das artes tinha contribuído para aprimorar os costumes."
A negativa à esta questão rendeu-lhe fama entre os franceses, denunciando a desumanidade de uma civilização que perdeu o sentido do homem interior.
Rousseau procurou apontar caminhos práticos para alcançar a felicidade.
Criou uma história, a de Emílio, que seria educado valorizando a espontaneidade e evitando o nocivo contato com a sociedade.
Para Emílio, não haveria castigos pois a experiência é a melhor conselheira.
Iniciando pelo desenvolvimento das sensações e dos sentimentos chegaria, por si próprio, às noções de bem e mal e a concepção religiosa.
Rousseau, pedagogo, prega que a educação é um direito de nascimento de todos e que ela significa a reconstrução de um homem atuante numa sociedade racional que respeite a natureza.
Em sua obra "O discurso sobre a origem da desigualdade" diz que a sociedade estabelece aos poucos um governo arbitrário, em lugar do poder legítimo.
Para ele, a propriedade introduz a desigualdade entre os homens, a diferenciação entre o rico e o pobre, o poderoso e o fraco, o senhor e o escravo, até a predominância da lei do mais forte.
O homem que surge é um homem corrompido pelo poder e esmagado pela violência.
Sugere em Do Contrato Social:
"O homem nasceu livre e em toda parte ele se encontra acorrentado. Desde que ninguém possui uma autoridade natural sobre o seu semelhante e, desde que a força não produz nenhum direito, restam, portanto, as convenções como base de toda autoridade legítima entre os homens."
Para Rousseau só se mantém a soberania do povo através de assembleias frequentes de todos os cidadãos.
Reconhece, porém, que tal projeto só se viabiliza em sociedades de pequenas proporções.
A certeza de que a nossa geração verá mudanças tecnológicas numa velocidade muito maior daquela presenciada por nossos pais, resgata o pensamento rousseauniano: irá a natureza humana caminhar para a felicidade coletiva, gerando uma sociedade justa?
A resposta positiva deverá estar nos encontros de padaria de nossos filhos e netos.
É o que esperamos.
Trem de Ferro
Tom Jobim
Poema de Manuel Bandeira musicado por Tom Jobim