Publicado no jornal A Cidade - Coluna Política & Políticos
Ubatuba-SP, 27 de novembro de 1999
Os dirigentes políticos têm, em geral, mania de propor soluções complicadas aos problemas mais simples. Na maioria das vezes, prendem-se a entraves burocráticos ou ao preconceito de assessores mentalmente confusos. Vez ou outra aparecem pessoas equilibradas no comando das ações públicas. Nestas horas, as coisas andam.
Recebi, há muitos anos, um livro interessante como presente. Escrito por Wladimir de Toledo Piza, chegou às minhas mãos através de Nadim Kayat. O oferecimento aconteceu após eu ter formulado uma pergunta crucial:
"Dizem que existiu uma desavença terrível entre o sr. e o Dr. Piza. Afinal, o que aconteceu?"
A resposta de Nadim foi imediata:
"Eu admirava-o profundamente. Rompi em função de um grave desentendimento que tive com seu filho. Trata-se, porém, de um dos maiores políticos que conheci. Toma este livro. Ele é o autor. Leia e entenda o que estou falando."
Aceitei o convite e devorei as 191 páginas de "O Dinheiro do Brasil", publicado em 1980 pela Livraria Duas Cidades.
Wladimir Piza formou-se em medicina e, apaixonado por política, chegou a ser prefeito de São Paulo, em 1956. No comando dessa grande metrópole implantou programas urgentes de atendimento às crianças, destacando-se a assistência àquelas que viviam abandonadas, sem escolas para aprender a ler, escrever e viver. Sabendo que não havia estabelecimentos de ensino em número suficiente, criou uma alternativa prática: convocou jovens professoras que mostrassem capacidade de improvisação. Cada educadora que recrutasse 40 crianças, ainda não matriculadas em escolas públicas e particulares e que conseguisse gratuitamente uma sala de aula, em seu bairro, seria imediatamente contratada para o Ensino Primário Municipal.
Resultado: mais de sessenta mil crianças foram matriculadas em oito meses.
Piza comenta em seu livro:
"O Juizado de Menores da Vila Maria percebia, em menos de um mês, que as trinta ou quarenta reclamações diárias sobre crimes praticados por menores naquele bairro se reduziram a uma ou duas, durante um mês, para passarem a zero depois."
Médico de crianças, Dr. Piza escreveu que o governo precisaria por em vigor uma lei que determinasse, em seu primeiro artigo, que todo brasileiro teria direito a um litro de leite diariamente, durante o seu primeiro ano de vida e a meio litro, do segundo ao décimo ano, por conta dos pais, se possível, ou do Estado, se necessário. Era a sua receita para acabar com a mortalidade infantil. Aos críticos de uma lei desse tipo relembrou a campanha de Churchill que, quando terminada a guerra, pregava aos ingleses a necessidade de zelar pela saúde de seus filhos, com um discurso sobre a política do leite.
Entre as passagens desse precioso livro, destaco o capítulo dezoito. Nele, Dr. Piza conta que estava em Ubatuba, onde seu amigo Ciccillo Matarazzo se elegera prefeito, quando chegaram dois membros da "Aliança para o Progresso". Ciccillo pediu a Piza para fazer aos americanos uma exposição sobre os problemas brasileiros, já que aqui estavam em missão oficial. O texto é uma aula sobre o nosso relacionamento internacional. Reproduzo os pensamentos que Wladimir Piza lançou para encerrar este capítulo que parece ser a síntese de seu livro:
"Precisamos de uma vez por todas entender que não há filantropia internacional. Nem os Estados Unidos, nem a Alemanha, nem o Japão nos darão nada de graça. Virão aqui para cuidar de seus próprios interesses. Se encontrarem gente digna e merecedora de respeito, nos tratarão com consideração e estudarão negócios interessantes para ambos. Se encontrarem pela frente comedores de toco, darão com desprezo sua gorjeta e nos virarão as costas depois de servidos. Nós faríamos o mesmo. Eis porque, sem preconceito por qualquer país ou povo, luto para que o Brasil cuide de seus interesses com carinho, antes de ceder a tudo que vem de fora, chegando ao cúmulo de deixar nossas crianças morrerem de fome, enquanto o estrangeiro se locupleta com o trabalho dos seus pais. Quem sustentar que do Norte só virão amigos, ou é tolo ou ignorante ou subornado."
A simplicidade e a grandeza das palavras e das ações de Wladimir de Toledo Piza traduzem um sentimento escasso na vida pública:
Só seremos respeitados se nos fizermos respeitar.
PS: Dr. Piza faleceu recentemente, aos 93 anos. Possivelmente, em algum lugar, estará reencontrando Nadim Kayat. Nesse instante, espero que sentimentos como orgulho e mágoa deixem de existir. Se for assim, creio na reconciliação. Entretanto, não me peça para conferir. Afinal, tem muita tinta ainda na minha caneta.
Pedacinho do Céu
Waldir Azevedo
Izaías e seus Chorões
