22.1.11

Mamãe não quero ser prefeito

Celso de Almeida Jr.


Publicado no jornal A Cidade - Coluna Política & Políticos
Ubatuba-SP, 25 de setembro de 1999


Cantava o Raul Seixas:
"Mamãe não quero ser prefeito/
Pode ser que eu seja eleito/
Alguém pode querer me assassinar.../
Eu não sou besta pra tirar onda de herói.../
Entrar pra história é com vocês!"
Perfeito!
Toda vez que o meu ego dribla o bom senso e dita ao pensamento: "você é o bom, salve a América", imediatamente recordo-me dessa canção do eterno "maluco beleza"
É o suficiente para lembrar o quanto uma empreitada desse tipo requer desprendimento, total apoio familiar, estômago adaptado para digerir sapos e especial preparo psicológico para compreender as mais inesperadas reações dessa complexa forma de vida que somos nós, seres humanos.
Mamãe: realmente, não dá pé!
Mas, alguém tem que encarar essa tarefa: "os interesses públicos acima dos particulares..."
Portanto, se me permite, com todo respeito, que tal você ser o mais novo candidato a prefeito?
Estou falando sério. 
É isso mesmo: você leitor!
Tomo a liberdade de dar algumas dicas.
Primeiro passo:
Filie-se a um partido político.
Precisa? 
Sim e logo.
Tem prazo. 
Aliás, termina nesse mês. 
Por que tem prazo? 
Não faço a menor ideia. 
Mas aceite. 
É lei. 
E quem quer virar prefeito precisa cumprir rigorosamente a legislação. 
Portanto, comece direitinho.
Segundo passo:
Inicie as conversações partidárias. 
Na grande maioria das vezes, a luta interna para conquistar o apoio do partido ao seu nome chega a ser mais difícil do que a própria campanha. 
Daí o surgimento de algumas interessantes propostas para a reforma política buscando viabilizar candidaturas alternativas, surgidas fora de partidos políticos, nascidas, por exemplo, do trabalho desenvolvido em alguma organização não governamental. 
Mas, pelo menos para a eleição de 2000, não conte com isso.
Terceiro passo:
Convencendo a família, os caciques políticos e tendo o nome aprovado em convenção, consiga dinheiro, divulgue boas ideias, seja carismático e, se tudo der certo, convide-me para assistir a sua posse.
Se não der, tudo bem. 
O prefeito atual disputou quatro vezes e só levou na última. 
Taí, sem querer, achei um bom exemplo que ele nos deixou. 
Tirando isso, siga outros modelos. 
E aproveite para durante a campanha estudar administração pública, conhecer as leis, montar uma boa equipe e fazer amigos.
Ainda não lhe convenci? 
Vou tentar, então, espantar alguns fantasmas que podem estar impedindo a sua arrancada.
O problema é saúde?
Lembre-se que Franklin Roosevelt tinha as pernas paralisadas em decorrência de uma grave poliomielite quando encarou a campanha para presidente dos Estados Unidos. 
Ganhou e implantou o New Deal, um dos mais arrojados programas de governo do mundo.
Tem problemas financeiros?
Lembre-se que Abraham Lincoln faliu quatro vezes antes de assumir a presidência americana. 
Ter dinheiro não é pré-requisito para exercer a cidadania. 
O cheque especial está no vermelho? 
Nem cheque tem mais? 
Tudo bem!
Faça um plano doméstico para sanear as finanças.
Consulte um advogado, um contador, resolva o problema. 
Se não der para arrumar a casa até 2000, em 2004 tem outra eleição. 
E mais: não use dinheiro seu em campanha. 
Descubra alguns solidários para financiá-lo. 
Eles existem, acredite!
Está preocupado com preconceitos?
Se você é homem ou mulher; heterossexual ou homossexual; se tem religião ou não; se é gordo, magro, alto ou baixo; se é preto, branco, amarelo ou vermelho; se é Dr, PhD ou Sr; se é velho ou jovem; se é rico ou pobre, lembre-se do seguinte: não importa o que falam de você. 
Importa é a sua paz de espírito; importa é você não ser preconceituoso com você mesmo. 
Aceitando-se como é, fica fácil defender seus pontos de vista.
Vamos lá, aceite o desafio. 
Conquiste aliados corajosos, corretos e bem intencionados. 
Leia sobre tudo. 
Leia, leia, leia...
Se é o que manda a sua inteligência, a sua vontade e o seu coração, vá a luta. 
Afinal, nessa história, o maluco oficialmente reconhecido é o Raul.

Em tempo: Mostrei o artigo à mamãe. Sabe como é. Fiquei apreensivo com a reação...Ela leu, fez silêncio e disparou: "Filho, tudo bem. Mas e a Presidência da República?" Não tem jeito. Mãe é mãe!

Cowboy Fora da Lei
Raul Seixas